Não existe uma fórmula, nenhuma “receita de bolo” para lidar com as depressões (porque elas são muitas, tão complexas quanto os seres humanos). Esta afecção psíquica – um dos grandes problemas da humanidade, consequência do profundo mal-estar contemporâneo e da medicalização da vida – sempre se infiltra das maneiras mais imprevisíveis possíveis. As estatísticas vêm crescendo exponencialmente: na década de 70 havia cerca de 100 milhões de deprimidos no mundo; trinta anos depois, chegam a mais de 1 bilhão. Em meio a todo tipo de catástrofe que estamos imersos – sociais, ambientais, de trabalho, dissoluções e problemas familiares, amorosos, entre outros – ficamos vulneráveis a entrar na melancolia e depressão. Que na maioria dos casos não tem origem orgânica, mas tem origem neste caos psíquico que vivemos. A depressão e o amorDe uma forma geral, a depressão é um adoecimento do amar. De nossa capacidade de amar, criar e manter vínculos. Cabendo dizer aqui que não é uma doença. Trata-se mais de um sintoma, que mostra o grau de desestruturação de uma pessoa, das pessoas em relação ao mundo, e da sociedade como organização e lugar de acolhimento. Muitas vezes, a pessoa em condição depressiva (ou deprimida) é saudável em relação a seus pensamentos, visões de mundo e conexão com o outro. Nestes casos, o que está louco e doente é seu entorno, sendo a depressão a expressão dessa desconexão. “A depressão é a imperfeição no amor”, segundo o escritor e especialista em psicologia e saúde mental Andrew Solomon. É um desespero frente a essas perdas. Afirma ele que os eventos depressivos normalmente “envolvem alguma perda – de uma pessoa querida, de uma função, de uma ideia sobre si mesmo – e se apresentam da pior forma quando envolvem humilhação ou uma sensação de estar preso numa armadilha. A depressão pode também ser causada por uma mudança positiva: nascimento de um bebê, uma promoção ou um casamento, que podem assim desencadeá-la quase tão facilmente quanto uma morte ou perda.” A depressão – leve, moderada ou severa – pode ser um sinal de algo que está clamando por ser conscientizado no sujeito, e de como a sensação de vazio por ela provocada e sinalizada, fica como um nevoeiro em que nele pode se esconder alguma luz. O sentimento de uma vaga ausência produz a necessidade de simbolizar tal estado, com conteúdos ainda não trazidos à consciência. A Psicanálise busca através de seus métodos terapêuticos (sim, a Psicanálise é e deve ser terapêutica!) ajudar o paciente/analisando a enxergar sua identidade e suas potências por trás de sua história, seus traumas e lutas. Podendo ser apresentado a si mesmo como nunca antes, o sujeito pode se inserir no mundo de novas formas, cuidando e respeitando mais a si mesmo, conhecendo mais o mundo a sua volta, e ainda assim lutando por seus ideais. Fazer Análise não é consertar o mundo. Mas uma das poucas formas e métodos que o ser humano conseguiu conquistar para se harmonizar melhor consigo e com seus conflitos internos e assim ter um melhor parâmetro de seu lugar no mundo. A depressão e o ódio/intolerânciaPrecisamos de um tipo de tolerância radical ao ‘diferente’ nos dias de hoje. O que não quer dizer tolerar a intolerância quando o outro é violentamente intolerante. Muito pelo contrário, o caso é de não nos vitimizarmos e enfrentar a face consciente ou inconscientemente cruel do outro e de si mesmo. Diante do outro que nos atravessa, violenta e põe em risco nossa sobrevivência física e psíquica, precisamos de recursos internos para lidar com isso. A depressão camufladaVivemos em um mundo onde nossos passos não podem tropeçar na passarela do sucesso, onde o fracasso é temido como se fosse o maior dos deuses maléficos. A Esfinge que a todos parece devorar. Mito ou realidade, é verdade que uma grande tendência atual do ser humano é camuflar muitos de seus medos, inseguranças, desejos, aspirações e dores, em pró de uma atitude exemplar perante um mundo que não permite fracassar. Eis os resultados: Vícios de todos os tipos (drogas vindas do tráfico, da indústria farmacêutica, drogas naturais como a endorfina e a adrenalina – adição a esportes radicais), obsessões, compulsões (sexo, distúrbios alimentares, consumo compulsivo, uso compulsivo da internet), etc. Em comportamentos aparentemente normais, é possível encontrar uma possível depressão camuflada em todo esse caldo. Diante de um mundo perverso, competitivo e superficial, é normal de se esperar que uma pessoa cheia de potenciais possa sucumbir, e que ao invés de colocar-se por debaixo das cobertas, evita tudo isso de outra forma mais sutil: se adequando aos papeis vigentes, e se utilizando de comportamentos diversos para se defender do sofrimento. Assim, consegue se adequar aos ideais da contemporaneidade, mas sem expressar seu mais autêntico self. A Psicanálise oferece a possibilidade de criação de uma rede de representações capaz de conter comportamentos não construtivos, assim como a ampliação da capacidade de simbolização e criação. Podemos e devemos ser capazes de olhar para dentro de nós mesmos e ver nossas qualidades e potenciais. A beleza do mundo subjetivo consiste em superar as dificuldades internas e do mundo objetivo, e assim protagonizar uma potencialização do mesmo. É preciso não só racionalizar, raciocinar, mas sim “pensar”, para enxergar novas trilhas nesse universo que nos permeia. Como diz o psicanalista Bion, que tem uma concepção diferente da concepção de outras teorias do pensamento, precisamos usar o processo de pensar para lidar com a pressão exercida pelos pensamentos. É preciso revisitar nossos desejos e nossa forma de pensar a si e o mundo.
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June 2019
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